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Crime e pecado contra toda a criação


Imagens extraídas da internet


O crime e pecado ambiental de Brumadinho e o desprezo pela vida em sentido amplo.


” Porque sabemos que toda a criação geme e está juntamente com dores de parto até agora. E não só ela, mas nós mesmos que temos as primícias do Espírito também gememos em nós mesmos, esperando a adoção, a saber, a redenção do nosso corpo.” - Romanos 8 22 e 23.

Ao expor o plano de salvação de Deus aos cristãos de origem romana, o Apóstolo Paulo destaca que a realidade do pecado a partir da queda não atingiu somente o ser o humano, mas toda a criação, na medida em que o ser humano decaído desenvolveu uma relação predatória em relação à criação que, juntamente com o ser humano, foi criada pela bondade de Deus e em si mesma é boa.


Com os efeitos sociais e cósmicos do pecado agridem a criação, de modo que também aguarda a redenção, essa Ênfase é especialmente cara ao metodismo. Wesley intitulou o sermão de número 64 de “A Nova Criação”, baseado em Apocalipse 21.5, no qual Deus faz, na consumação, faz novas todas as coisas. “novo céu e nova terra” a criação toda se renova com a intervenção definitiva de Deus na história da humanidade[1].


Wesley percebe que o restante da criação não é excluído, mas toma parte na restauração da humanidade, a partir da revelação de Cristo. Percebe também que Deus não promove essa redenção unilateralmente, pois, desde a encarnação de Jesus, o ser humano convertido, segundo a ênfase paulina, é cooperador com Deus no resgate da humanidade[2]. No item 4 do sermão, Wesley denuncia a interpretação equivocada vigente entre seus contemporâneos de que a referida passagem não havia se cumprido quando Constantino o Grande cumulou a Igreja de bens, privilégios e favores, acrescentando que aquela foi “uma triste maneira de invalidar os desígnios de Deus”.


Em sua obra, Wesley destaca que o sacrifício salvífico de Cristo resgata a imagem de Deus no ser humano, em três aspectos; imagem natural, imagem política, imagem moral. Por se coadunar com o tema em exposição, ressaltamos que Wesley entendia por resgate da imagem política de Deus no ser humano, conforme preceitua Teodore Runyon:


A imagem política é o segundo modo pelo qual a humanidade reflete o seu Criador. Deus dotou essa criatura com capacidade de liderança e administração para ser o “regente sobre a terra, o príncipe e governador desse mundo mais baixo” nas palavras do salmista: Deste-lhe o domínio sobre as obras da Tua mão e sob os teus pés tudo lhe puseste... ...portanto a humanidade recebeu uma posição privilegiada e de especial responsabilidade para com o resto da criação[3].


Para Wesley, é obrigação da humanidade ser “um canal de comunicação entre Deus e o restante da criação e a benevolência de Deus é refletida nas ações humanas para com o resto da criação e presume contínua fidelidade à ordem do criador [4]. Portanto, a mordomia cristã se estende ao cuidado com a criação, desde a adequada gestão de recursos naturais, até a efetiva preservação do meio ambiente.


Não obstante o desafio do Evangelho, vive-se no Brasil o descaso e negligência com os recursos naturais bem como com a negligencia com a condição humana. Nem mesmo a lucrativa e rentável mineradora toma os devidos cuidados para que o meio ambiente e vidas humanas sejam preservadas. Tal atitude é, mais que pecado social, pecado estrutural.


A nascente do Rio Doce está morta desde o crime ambiental de Mariana. Não há perspectiva precisa de regeneração da natureza nem mesmo em cem anos, em razão do ineditismo daquela catástrofe. Espécies de peixes nativos estão irremediavelmente extintas. Famílias que viviam de suas hortas e criação de subsistência perderam seu meio de vida, perderam vínculos, perderam relacionamentos e até o sentido da vida. A taxa de suicídios na região aumentou desde então.


Imagens extraídas da internet


O acidente, de proporções até então não observadas, deveria ter servido de alerta para que situações semelhantes não mais se repetissem. Inútil esperança. Presenciamos, novamente, o literal mar de lama tóxica com o rompimento da barragem de Brumadinho, que destrói vidas como encarnação da metáfora do mar de lama das relações de proposital negligência entre poder público e empresas.


No caso, a falta de fiscalização estatal somada à displicência injustificada que impede o efetivo investimento em manutenção e observância de normas de segurança, a fim de que não ocorram criminosas tragédias como essa, vitimou mais vidas humanas do que o desastre de Mariana.


O pano de fundo da Declaração Universal dos Direitos Humanos é a denúncia da subversão do papel do Estado que, ao invés de promover a proteção da vida, é ele mesmo autor ou coautor de ações ou omissões que redundam em violações de direitos difusos que vitimam um número indeterminado de pessoas.


Nesse caso, por um lado a negligência do Estado em fiscalizar adequadamente e responsabilizar quem perpetra crimes ambientais dessa envergadura e, por outro lado, o discurso de flexibilização de licenças ambientais e transferências de tais responsabilidades às empresas, se traduzem em uma renúncia criminosa por parte do poder público. Veja que o lucro obtido com a atividade de mineração poderia muito bem justificar a adoção de métodos mais seguros e menos danosos à população e o meio ambiente.


A adoção de tecnologias que dispensa a construção de barragens, já disponíveis, pode encarecer a atividade, mas não a inviabiliza. O papel do Estado em determinar a adoção das mesmas é fundamental. Não faltam recursos para investimento em segurança da própria atividade de mineração. A fiscalização realizada pelas próprias empresas tem sido insuficiente e de fato, fracassada.


Nesse tempo em que ainda temos na memória a Epifania do Senhor, a manifestação de Jesus, o Deus feito humano e sua identificação com toda a humanidade, traz à memória sua intenção de redenção, não somente do ser humano, mas de toda a criação. Será que a devoção à Mamon há de prevalecer sobre o Deus da vida? Até quando os interesses do capital hão de prevalecer sobre vidas humanas e extinção de espécies? O papel da igreja enquanto rosto visível de Deus na face da Terra não pode se resumir ao importante papel de socorrer e se solidarizar com as vítimas da tragédia criminosa e recorrente de Brumadinho. Deve voltar a exercer sua função profética de denúncia do pecado criminoso de descaso com o meio ambiente e com seres humanos que perderem suas vidas, famílias, comunidades e sonhos, agora imersos em lama tóxica e com destino semelhante ao das vítimas de Mariana, até hoje à espera de socorro e de resgate da dignidade perdida.


Pastor Danilo, Pastor Jair e Fábio

Assessoria Regional dos Direitos Humanos 3RE


[1] WESLEY, John, OBRAS, Sermones Tomo IV sermón 64 Providence House Publishers, Franklin Tennessee, EUA, pg. 20.


[2] 1 Coríntios 3. 9.


[3] RUNYON, Teodore, A Nova Criação: a teologia de John Wesley hoje. São Bernardo, SP Editeo. 2002, pg. 28


[4] WESLEY, John, WORKS, S 60 The General Deliverance, Providence House Publishers, Franklin Tennessee, EUA 2:440.


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