Pois um dia tua morte, trouxe vida a todos nós!
Os 25 Artigos de Religião do metodismo surgiram em um momento de expansão missionária. Enquanto preparava a constituição da Igreja Metodista Episcopal, nos Estados Unidos (1784), João Wesley adaptou os Trinta e Nove Artigos da Igreja na Inglaterra, proporcionando um elemento doutrinário muito significativo para nós metodistas.
Dentre estes, está o Artigo de número 20 que trata da oblação única de Cristo sobre a cruz.
A fim de melhor compreensão deste Artigo, cabe aqui uma breve análise etimológica do termo oblação.
A origem do termo oblação em português vem do latim “oblatio”.
Via de regra é aplicado na liturgia católica, com o sentido de oferenda eucarística, feita pelo sacerdote durante a missa [1].
O Antigo Testamento utiliza alguns termos que guardam relação com a ideia de oblação, dos quais destacaremos dois. O primeiro termo que merece destaque no hebraico é “minḥâ”, que pode significar oferta, oferta de cereais, oferta de manjares, presente, dádiva, oblação, sacrifício. Por exemplo, em Gênesis 4.3 Caim trouxe “minḥâ” do fruto da terra [2].
A oferta de manjares está definida no livro de Levíticos 2.1-16 e 6.14-23. A oferta poderia ser feita na forma de cereal cru (ainda na espiga); o mesmo deveria ser tostado e moído até virar farinha ou poderia ser utilizado na confecção de um bolo assado ou frito em azeite. A “minḥâ” era oferecida todas as manhãs e tardes, como uma oferta sagrada, somente destinada aos sacerdotes.
Outro termo no Antigo Testamento que guarda relação com oblação é “’ishsheh” que pode ser traduzido por oferta feita pelo fogo. Normalmente este termo era aplicado a qualquer oferta consumida total ou parcialmente pelo fogo. Desta forma, “’ishsheh” era usado para oferta queimada (Levítico 1.9); a oferta de cereais (Levítico 2.3); a oferta pacífica (Levítico 3.3); a oferta pela culpa (Levítico 7.5); a oferta de consagração (Levítico 8.28).
Observamos que a perspectiva católica sobre a salvação guarda estreita relação com o cristianismo “judaizado”.
Nos primeiros anos da Igreja primitiva, muitos cristãos, sob forte influência ainda do judaísmo, acreditavam que deveriam cumprir todos os requisitos da Lei Mosaica, por exemplo, a circuncisão, o sistema de oferendas, ir até o sacerdote para ter seus pecados perdoados, fazer sacrifícios como expiação pelos pecados (Gálatas 3) [3].
Percebe-se nessa controvérisa que a questão de fundo é o sistema sacerdotal, o qual requeria o “sacerdote” para agir como um intercessor entre o ser humano e Deus.
As práticas da Igreja medieval e o endosso conciliar de Trento sustentaram – na verdade, continuam a sustentar – que na missa, a substância do pão e do vinho se modifica (transubstanciação) para se tornar o corpo e o sangue de Jesus Cristo. Desta forma, o sacrifício que Cristo fez é oferecido novamente a Deus e seus benefícios são recebidos pelos presentes [4]. Os reformadores rejeitaram esse ensinamento como antibíblico e blasfemo.
O 20 Artigo de Religião nos coloca diante de algumas interrogações. A salvação nos veio por intermédio de Jesus? Precisamos de um sacerdote para mediar a nossa relação com Deus? Eu preciso fazer sacrifícios para alcançar a salvação?
Em resumo,
o Artigo declara que a oblação (oferta) de Cristo, feita uma só vez, na cruz, foi a perfeita redenção, propiciação (perdão) e satisfação por todos os pecados do mundo, tanto o original como os atuais, e não há nenhuma outra satisfação pelo pecado senão essa [5].
Em seguida, Wesley prossegue: “portanto, o sacrifício da missa, no qual se diz geralmente que o sacerdote oferece a Cristo em expiação de pecados pelos vivos e defuntos, é uma fábula blasfema e um engano perigoso”.
A importância deste Artigo não se encontra na parte anticatólica, apesar de nos alertar quanto ao engano do sistema sacerdotal, onde uma pessoa passa a ser o mediador, o único que pode proporcionar o caminho a Cristo. O valor deste Artigo se encontra exatamente na declaração sobre a oferta salvífica de Cristo. Jesus salva. Sacerdotes não. Pastores e Pastoras não. Obras não salvam.
Jesus é o único e suficiente salvador e sua oferta já foi feita e aceita.
Chamamos isso teologicamente de Expiação de Cristo. Cristo, o Cordeiro de Deus (João 1.29), ofereceu a si mesmo por nós, por todos os pecados do mundo.
A noção de oferecer continuamente sacrifícios pelos pecados foi estabelecida por Deus para os israelitas no Antigo Testamento. Porém, o autor de Hebreus nos deixa claro que o sacrifício de Jesus era diferente daqueles feitos no sistema sacrificial levítico. Ele afirma “que não tem necessidade, como os sumos sacerdotes, de oferecer todos os dias sacrifícios, primeiro, por seus próprios pecados, depois, pelos do povo; porque [Cristo] fez isto uma vez por todas, quando a si mesmo se ofereceu (Hebreus 7.27).
Nós somos salvos somente por Cristo. Não é por sermos “adoradores em espírito e em verdade” ou por sermos “engajados em obras sociais”, mas sim pela fé em Jesus Cristo,
como Paulo escreve na carta aos Gálatas (Gálatas 3.11b).
Como expressa com singeleza e clareza a letra da música Jesus em Tua Presença, do compositor cristão, Asaph Borba:
“... pois um dia Tua morte, trouxe vida a todos nós, e nos deu completo acesso, ao coração do Pai. O véu que separava, já não separa mais. A luz que outrora apagada agora brilha e cada dia brilha mais...”. [6]
Cesar Roberto Pinheiro
Pastor na Igreja Metodista em Rudge Ramos.
Referências:
[1] MICHAELIS. Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. Disponível em: <https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/obla%C3%A7%C3%A3o/>. Acesso em: 5 nov. 2018.
[2] HARRIS, R. L. et al. Dicionário de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1998.
[3] Bíblia de Estudo de Genebra. São Paulo: Cultura Cristã, 2009.
[4] GONZALEZ, J. A era dos reformadores. São Paulo: Vida Nova, 1993.
[5] IGREJA METODISTA. Cânones da Igreja Metodista 2012/2016. Piracicaba: Equilíbrio, 2012. p. 44-45.
[6] BORBA, A. Jubileu 25 anos de louvor e adoração. Intérprete: Asaph Borba. São Paulo: Integrity Média, c2001. 1 CD.
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