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Um novo olhar sobre a cartilha do meio ambiente

Há alguns anos, na Concentração do Coração Aquecido foram distribuídas cartilhas intituladas “Ser cristão é ser sustentável”. Lembro-me do dia em que recebi este material. Em um primeiro momento, ao folhear o texto, tive a sensação de ter em mãos um debate ainda insípido frente ao desafio da questão ambiental. Em um segundo momento, refletindo melhor, compreendi que, para o meio cristão, onde a questão ambiental era – e ainda é – pouquíssima explorada, a cartilha teve o importante papel de colocar a temática ambiental na pauta da Igreja Metodista.

Homem observando o horizonte

Neste ano fui surpreendida com a notícia da temática anual da Igreja. Fiquei receosa sobre como a Igreja conduziria essa pauta pouco discutida nas esferas protestantes. Os debates sobre as questões ambientais, de forma geral, são relativamente recentes.

Considerando que a primeira grande esfera de discussão sobre o meio ambiente foi em 1972, na Conferência de Estocolmo, é natural que a sociedade, especialmente em um país em desenvolvimento como o nosso, ainda esteja num período de maturação sobre como debater, definir e resolver os problemas ambientais.

Neste sentido, acredito que como Igreja precisamos também passar por essa maturação. Será que realmente entendemos, anos após o lançamento da cartilha, que só seremos cristãos se formos sustentáveis? Será que de fato este título sugestivo faz real sentido na nossa vida e prática cristã?


A cartilha do meio ambiente nos apresentou alguns pilares da educação ambiental: evitar o desperdício, evitar consumo e refletir sobre nossos hábitos. Todavia, as medidas propostas pela cartilha abordam o alcance individual de cada um de nós. Neste artigo quero convidá-los a irem além dos pilares comuns da educação ambiental,

quero convidá-los para um novo olhar sobre a questão ambiental.

Não devemos deixar de ressaltar a importância de cultivar melhores hábitos frente aos desafios ambientais. Porém, quando falamos de meio ambiente falamos dos chamados “direitos difusos”, direitos que são coletivos e individuais ao mesmo tempo. O que quero dizer é que não se resolve um problema coletivo e individual somente com medidas individuais.


É muito comum as pessoas acreditarem que na mudança de pequenos hábitos estará a solução para nossos problemas ambientais. Centrando seus atos altruístas em evitar o lixo na rua, o desperdício de água, o consumo... atribuindo exclusivamente a essas medidas individuais a solução para o nosso problema coletivo. É reconfortante a sensação de que pequenas coisas geram grandes mudanças, mas não podemos nos acomodar e imaginar que basta que nossa parte seja feita. A verdadeira educação ambiental tem que nos levar a corrigir hábitos e também a enxergar muito mais do que apenas a nossa parte.


Em biologia, os alunos do ensino médio aprendem que existem quatro níveis de organização dos organismos: populações, comunidades, ecossistema e biosfera.

É interessante refletir que não existe um nível de organização individual, tudo na natureza é de caráter coletivo. E as espécies que melhor se adaptam a vida coletiva são também, normalmente, as espécies consideradas de maior sucesso evolutivo.

Acredito que exista uma semelhança funcional nas características que a natureza nos apresenta e os aspectos da vida humana.


Assim como os problemas que inferem sobre a natureza atingem a todos indistintamente de diferentes formas, a solução para os problemas ambientais também exige um esforço coletivo e infere sobre diferentes aspectos da vida na terra.


Pensando nessa perspectiva mais abrangente de compreensão sobre a educação ambiental considero fundamental refletir sobre os 17 objetivos que a ONU, em 2017, estabeleceu para o desenvolvimento sustentável:


  1. Erradicação da Pobreza

  2. Fome Zero e Agricultura Sustentável

  3. Boa Saúde e Bem-Estar

  4. Educação de Qualidade

  5. Igualdade de Gênero

  6. Água Potável e Saneamento

  7. Energia Acessível e Limpa

  8. Trabalho Decente e Crescimento Econômico

  9. Indústria, Inovação e Infraestrutura

  10. Redução das Desigualdades

  11. Cidades e Comunidades Sustentáveis

  12. Consumo e Produção Responsáveis

  13. Ação contra a Mudança Global do Clima

  14. Vida na Água

  15. Vida Terrestre

  16. Paz, Justiça e Instituições Eficazes

  17. Parcerias e Meios de Implementação.


Perceba o grande salto que o debate ambiental deu entre os Quatro “Rs” (repensar, reduzir, reutilizar e reciclar) e a profunda responsabilidade a que se propõe nestes 17 objetivos. Se outrora discutíamos o que faríamos com o lixo que produzíamos, hoje estamos debatendo saúde, fome, gênero, educação etc. tudo na pauta sobre o meio ambiente e a sustentabilidade.

O conceito de sustentabilidade transcendeu a discussão sobre finitude dos recursos naturais, e hoje é tratado como um valor. Ou seja, a sustentabilidade não é mais um conceito, mas sim um valor social a ser adotado ou não. Perceba que a questão ambiental se tornou muito mais sistemática e interdependente, mesclando diferentes fatores da vida humana.


Pensando nas proporções que a questão ambiental tomou pode-se dizer que o “ambiental” engloba aspectos sociais, culturais, físicos e econômicos ao mesmo tempo. E que, portanto, já não podemos mais nos permitir compreender a “preservação do meio ambiente” como uma mera atitude altruísta para “ajudar o planeta”.


A ideia de “preservação” ou “ajuda” ao meio ambiente gera nas pessoas, inconscientemente, a impressão de que precisamos preservar algo externo a nós mesmos. Como se fosse um ato de bondade para com o aspecto físico da natureza que beneficiará gerações futuras.

Essa percepção, que por muito tempo esteve presente em mim mesma, é capaz de motivar pessoas altruístas a mudarem de hábitos, porém ela fomenta o engano de que o que precisa ser preservado é o planeta ou a sociedade do amanhã. Isso nos faz esquecer os diversos aspectos da vida humana que já são afetados pelos problemas ambientais que já enfrentamos na atualidade e que coletivamente poderíamos evitar.


Precisamos compreender que o que precisa ser preservado são as condições necessárias para que continuemos tendo bem estar, saúde e comida por mais tempo, em valores mais acessíveis e para toda a população humana. Somos nós quem precisamos da natureza, e a vida humana na terra exige condições muito específicas para ser possível e abundante. Precisamos descontruir a ideia de que preservar o meio ambiente é só preservar o planeta para as gerações futuras.


Na perspectiva cristã, muitas vezes ouvi a expressão de que devemos nos afastar da nossa “natureza pecaminosa”. É claro que a palavra “natureza” pode ter diferentes conotações. Pensando na natureza enquanto criação compreendo que a natureza seja divina por definição; logo não faz sentido que nos afastemos dela. Não há natureza pecaminosa. Acontece que o nosso pecado nos afasta da nossa natureza divina, e nós precisamos encontrar um jeito de nos reencontrar com essa natureza.


O texto de Romanos 8.19 diz que “a criação aguarda ansiosamente a manifestação dos filhos de Deus”. Essa natureza de essência divina foi criada para servir a todos de forma justa e igualitária; natureza que foi criada para a vida em comunidade; natureza criada em condições específicas para nos manter física e emocionalmente saudáveis. Precisamos nos reencontrar com essa natureza antes de chegarmos ao ponto em que pequenas mudanças de hábito não surtam mais efeito algum.


O reencontro com essa natureza divina que existe na criação e em cada um de nós passa por algumas reflexões necessárias:


  • Precisamos que nossos Pastores preguem mais sobre o nosso e o amanhã, do que sobre o meu e o agora. A Igreja cristã caminha cada dia mais para uma pregação individualista e hedonista, influenciada pela teologia da prosperidade. Precisamos zelar pelo que pregamos em nossos púlpitos. A sustentabilidade começa no discurso que cultivamos.

  • Precisamos reconectar nossas crianças com o lugar onde vivem e desconectá-las de espaços virtuais. Como Igreja muitas vezes somos indiferentes à forma como nossas crianças têm crescido desconectadas do meio em que vivem. Precisamos promover espaços que mostrem a importância do meio em que vivemos para nossas crianças que já nascem informatizadas.

  • Precisamos encontrar um jeito de retomar a importância da educação no meio evangélico. Se não formos atuantes na formação das pessoas nunca engajaremos a instituição a atuar coletivamente por causa alguma. Precisamos trabalhar na formação de pessoas sustentáveis na escola dominical, na Faculdade de Teologia e em todos os espaços de capacitação leiga. Não existe sustentabilidade sem engajamento na formação de pessoas.

  • Precisamos aproveitar a nossa conexidade para apresentar o Brasil aos brasileiros. É impossível preservar a natureza sem conhecê-la. O Brasil é um país de muitas faces e a maioria dos brasileiros não conhece nem metade delas. Precisamos nos despertar para entender em que país vivemos e quais os problemas ambientais que enfrentamos.

  • Precisamos nos posicionar politicamente. Se posicionar politicamente não é fazer uma doação de alimentos quando uma barragem estoura. É acompanhar os projetos de lei que regulamentam o licenciamento de barragens, por exemplo. É acompanhar a política fundiária e agrônoma do nosso país e emitir uma posição enquanto comunidade cristã. Se posicionar politicamente é se engajar na concepção, na fiscalização e na aplicação de políticas ambientais.

Eu poderia citar diversas outras reflexões para as quais a Igreja precisa se despertar. E creio que isso acontece naturalmente quando nos reencontramos com a natureza divina que existe na criação de Deus. Meu intento aqui é proporcionar ao leitor uma abertura de possibilidades ainda pouco exploradas sobre o debate ambiental na esfera cristã. Expandir as possibilidades de reflexão nos conduzirá a um debate mais maduro sobre como podemos ser discípulos e discípulas que cuidam do meio ambiente.


A questão ambiental exige de nós uma visão muito mais sistemática e interdependente da natureza. Creio ser inegável que a sustentabilidade deva ser um valor inerente a prática cristã, isso porque

ser sustentável é pensar no outro, é pensar no amanhã, é pensar de forma comunitária e solidária.

Discípulos e discípulas que cuidam do meio ambiente são discípulos capazes de cuidar e pensar no outro; capazes de fazer mais do que só a sua parte. São discípulos capazes de motivar, ensinar e mobilizar as pessoas militando pelo melhor para vida coletiva ainda que não se contemple benefício individual imediato.



Concluo com a expectativa de ter conseguido levá-los a refletir para além dos seus hábitos individuais, pois estes, eu quero acreditar, já corrigimos desde o lançamento da nossa cartilha. Espero que consigamos refletir comunitariamente que Igreja temos sido e o que podemos fazer para sermos uma Igreja mais sustentável, começando pelo reconhecimento da importância da preservação da natureza divina que existe em cada um de nós, essa natureza é capaz de construir uma sociedade melhor.

Amanda Salles Praia

Membro na Igreja Metodista em Santana de Parnaíba e Coordenadora Pedagógica


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