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O imigrante no Brasil da desigualdade: ilusão e realidade


Jesus na manjedoura



O Ministério Regional AA-Afro - Ações Afirmativas para Afrodescendentes da Igreja Metodista na Terceira Região Eclesiástica, no exercício de sua vocação e em conformidade com os objetivos pautados em suas Diretrizes Ministeriais de promover a missão integral, reconhecendo a Igreja como principal agente do combate a quaisquer formas de discriminação, diante dos acontecimentos noticiados sobre a violenta morte do imigrante congolês Moïse Kabamgabe no posto da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro no dia 25 de janeiro de 2022 trazemos nesta oportunidade o texto: “O imigrante no Brasil da desigualdade: ilusão e realidade” desenvolvido à convite do Ministério AA-Afro e do iConexão, pelo Doutorando e Mestre em Ciências da Religião na Universidade Metodista de São Paulo – UMESP, Ms. Fabio Fonseca do Nascimento, para levantar discussão, estimular e contribuir com reflexão de toda a Igreja sobre este tema no contexto brasileiro, reafirmando assim nossa tradição Wesleyana na luta contra o racismo e toda forma de violência, bem como do nosso compromisso social de acolhimento dos vulneráveis e marginalizados.


Texto: Fabio Fonseca do Nascimento


Fábio Fonseca do Nascimento é Membro da Igreja Metodista. Doutorando e Mestre em Ciências da Religião na Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Graduado em Administração de Empresas (UMESP) e Teologia pela Faculdade de Teologia da Igreja Metodista-(Fateo/UMESP). Atualmente é pesquisador no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, na área de Religião Sociedade e Cultura que integra a Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) com a pesquisa sobre a ação das lideranças religiosas com imigrantes em situação de rua na perspectiva dos direitos humanos.

“Brasil é uma mãe, abraça todo mundo,

aí Brasil é 2ª casa e como que vai matar o irmão trabalhando?

A justiça vai ter que ser feita!”

(Relato da família de Moïse Kabamgabe)


Midianinja e pretospoder. Dilacerante a dor da família de Moise Mugenyi Kabagambe. São Paulo, 01 fev. 2022. Instagran. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CZb3rCvhwye/ . Acesso em: 03 jan. 2022.

O jovem imigrante, negro, congolês Moïse Kabamgabe, 25 anos, é espancado até a morte depois de cobrar o pagamento de dois dias de trabalho, no posto da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Esta foi a notícia nos principais jornais e nas redes sociais do Brasil e do mundo, no dia 25 de janeiro de 2022. Mais uma vez, o debate sobre racismo, xenofobia e aporofobia (aversão ao pobre) entra em pauta. O imigrante em situação de vulnerabilidade, que sai forçado ou voluntariamente de seu país traz consigo muitas expectativas positivas sobre o Brasil, construídas a partir da propaganda veiculada pelas mídias e das agências de turismo.

A alusão que fazem em outros países em relação à nossa cultura, comida, fauna e flora brasileira, crenças populares torna o Brasil um lugar encantado, “exótico” e perfeito para reconstruir a vida. Logo, esse “exotismo” é desmistificado a luz da realidade frustrante e as inúmeras dificuldades enfrentadas, tais como: dificuldade de inserção profissional, baixos salários, direito de permanecer como cidadão e a política brasileira, que não contribuem para permanência de alguns imigrantes. As expectativas nutridas de que o “Brasil é uma mãe, abraça todo mundo” são logo exauridas nos primeiros dias no país, com a burocracia na concessão de Vistos, alto custo de moradia e outros. Esse dilema, imposto pela falta de políticas públicas que contemple essa população, direciona muitos imigrantes a uma situação de vulnerabilidade social. Alguns destes, hoje encontram-se em regiões fronteiriças, em condição análoga à escravidão, jogados em abrigos, casa de apoio devido à falta de estrutura no acolhimento.

A partir de uma análise histórico-cultural, percebemos que a interação social do imigrante na sociedade brasileira ainda é um desafio social, cultural, político e religioso. Os obstáculos que os imigrantes enfrentam são o preconceito, a falta de acolhida, desconhecimento do idioma, racismo e os atos xenófobos. A ideia de raça construída a partir do mundo colonizador eurocêntrico, inseriu preceitos de cunho racial no imaginário brasileiro, principalmente relacionado ao imigrante. Esta concepção racial passou a distinguir o imigrante desejável e indesejável no país. Neste caso, no imaginário social os imigrantes desejáveis seriam os brancos, europeu, estadunidenses, católicos e/ou protestantes, por acreditarem que estes transformariam a sociedade.

O desejo pelo “progresso” brasileiro, passou a favorecer a imigração branca, a partir de uma política de branqueamento da sociedade brasileira. Em contrapartida, os imigrantes indesejáveis, de acordo com a classe social, raça, cor, gênero, etc. Assim, o racismo enquanto elemento estruturante social, principalmente dos corpos negros continua fortemente presente, alimentando estereótipos, posturas preconceituosas e todo tipo de violência para com estes corpos.

O panorama vivenciado pela população negra no Brasil e pelos imigrantes oriundos da África nos suscita refletir a missão da Igreja Metodista a partir de suas concepções teológicas e ideológicas. No livro de Deuteronômio (1.17) Deus chama atenção ao cuidado com os “invisíveis da terra”, que são representados nesta reflexão como o pobre, estrangeiro, órfão, viúva ou pequeno (inferior, impotente, desamparado).

A condição de vulnerabilidade suscita a prática de alteridade comunitária, estabelecendo medidas protetivas aos vulneráveis, aos apátridas, desprovido de proteção de seu país. Esta mesma temática da alteridade e da proteção aos vulneráveis aparece novamente no Novo Testamento em que a comunidade de Mateus é desafiada às práticas das boas obras como missão de Deus. Neste caso, o imigrante (estrangeiro) aparece como alguém que precisa de atenção e cuidado. “Fui imigrante (estrangeiro) e me acolheste” (BÍBLIA, 2016, Mateus 25. 35c). É neste lugar social e teológico de atuação da Igreja, em que a teologia é construída, que a ação divina se manifesta através da justiça, cuidado, compaixão e misericórdia.

As doutrinas e práticas wesleyanas, que são representadas pelos atos de piedade e pelas obras de misericórdia, nos ajudam a sinalizar a manifestação do Reino de Deus. Dentro desta perspectiva, a Igreja Metodista entende que “o evangelho de Cristo não reconhece nenhuma religião que não seja social; nenhuma outra santidade que não seja a (santidade) social; “Fé operando pelo amor” é o comprimento, a largura, a profundidade e a altura da perfeição cristã” (C. WESLEY; J. WESLEY, pp. 321-322, apud RENDERS, 2014, p. 14).

Motivados pela teologia wesleyana, que defende o compromisso social com os vulneráveis e marginalizados, e neste “lugar teológico” de promover a justiça e o cuidado, que somos desafiados e desafiadas como Igreja, a olhar a pessoa imigrante na sua integralidade a partir da perspectiva do acolhimento. Este desafio de acolher pede um compromisso que está para além de cumprir as normativas institucionais, nos convida a desenvolver ações que valorizem o lugar social do imigrante e do negro.

Uma Igreja comprometida com a missão e a vida, busca disponibilizar a população vulnerável assistência social e psicológica, educação, auxílio na regularização de documentação, curso de língua portuguesa e empreendedorismo. Além destes serviços, a Igreja como voz profética tem o dever de anunciar e denunciar as injustiças, incluindo a defesa do direito à vida com dignidade a todas as pessoas.


Referências


BÍBLIA. Português. Bíblia Mensagem de Deus. Trad. Pe. BRAUN, Alberto; Pe. SILVA, Alcides P.; Pe. CHARBEL, Antônio. São Paulo: Edições Loyola, 2016.


IGREJA METODISTA. As Marcas Básicas da Identidade Metodista. Biblioteca Vida e Missão - Metodismo, 2005.


IGREJA METODISTA. Carta Pastoral sobre Racismo. Biblioteca Vida e Missão - Metodismo, 2011.


MARCELINO, Bernadete Alves de Medeiros. A Fé em um país distante: uma relação entre religião e imigração em um contexto que envolve haitianos adventistas. São Paulo: Recriar, 2019.


NASCIMENTO, Fabio Fonseca do. “Metodistas Acolhem e Cuidam”: Análise dos fundamentos e práticas do acolhimento da Igreja Metodista aos (i)migrantes venezuelanos no Brasil. Orientadora: Clarissa De Franco. 2021. 126f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2021.


RENDERS, Helmut. A releitura da religio cordis por John Wesley como religião de coração e vida e sua experiência religiosa do dia 24 de maio de 1738. Revista de Estudos da Religião, 2014. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/rever/article/view/21751/16025#. Acesso em: 25 de mar 2021.


SAID. Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. Trad. EICHENBERG. Rosaura. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

SANTOS, Pedro E.C. Os Invisíveis da Terra em Deuteronômio. Campinas: Editora Saber Criativo, 2019.


SILVA, Neide Cristina da.; LIMA, Francisca Mônica Rodrigues de.; LUZ, Mônica Abud Perez de Cerqueira. (Orgs). Educação para Inclusão: Gênero, Etnia e Justiça Social. São Paulo: Editora Casa Flutuante, 2021.


SILVA, Neide Cristina da.; LIMA, Francisca Mônica Rodrigues de.; SILVA, Maria Lucia da. (Orgs). Educação e o Empoderamento da Mulher Negra. São Paulo: Editora Casa Flutuante, 2017.

[1]Membro da Igreja Metodista. Doutorando e Mestre em Ciências da Religião na Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Graduado em Administração de Empresas (UMESP) e Teologia pela Faculdade de Teologia da Igreja Metodista-(Fateo/UMESP). Atualmente é pesquisador no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, na área de Religião Sociedade e Cultura que integra a Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) com a pesquisa sobre a ação das lideranças religiosas com imigrantes em situação de rua na perspectiva dos direitos humanos. [2]Midianinja e pretospoder. Dilacerante a dor da família de Moise Mugenyi Kabagambe. São Paulo, 01 fev. 2022. Instagran. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CZb3rCvhwye/ . Acesso em: 03 jan. 2022


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