A gênese da Páscoa se dá em um contexto de escravidão por um Império. Os israelitas, outrora recebidos de bom grado pelos egípcios, eram tratados como refugiados; malquistos, relegados a tarefas extenuantes e indesejados (Êx. 2:23). É quando Deus vocaciona Moisés, um remanescente de uma tentativa de erradicação de toda uma geração de recém-nascidos, a fim de que aqueles indesejáveis não se multiplicassem (Êx. 1:21), dizendo:
“de fato tenho visto a aflição do meu povo que está no Egito e tenho ouvido seu clamor, por causa dos seus opressores e conheço seus sofrimentos. Por isso desci para livrá-lo das mãos dos egípcios e para fazê-lo subir daquela terra para uma terra boa e esperançosa, para uma terra que mana leite e mel...” (Êx. 3: 7 e 8).
Desencadeiam-se os fatos que constituem o primeiro significado da Páscoa: a realidade da opressão e da escravidão, o clamor por libertação, a ação humana inspirada pelo Deus que se importa com o povo em condição de servidão e efetiva libertação do cativeiro. Às vésperas da partida, uma rápida e singela refeição: um cordeiro, porções de pães assados sem ainda fermentarem e ervas amargas tornam-se a memória de que Deus possibilita que todo oprimido seja senhor de seu próprio destino.
Páscoa, passagem da servidão para o serviço
No período onde ocorre uma agregação de significado à Páscoa, o povo de Deus, já instalado na terra da promessa, é escravo em sua própria pátria por um opressor estrangeiro. Roma domina direta e indiretamente a terra agora dividida. É nesse contexto que nasce Jesus. O período da Páscoa acalentava a esperança do livramento de nossa libertação da opressão.
Desde a periferia, Jesus convidava colaboradores a participarem com Ele do novo movimento de libertação. Não somente com palavras, mas com ações, sinais de que a libertação estava se efetivando: curas, libertações e perdão de pecados, como sinais de proximidade do Reino, sinais de proximidade de Deus, ocorridos em uma realidade de opressão, pois definiam a exclusão comunitária e social dos portadores. Não são somente os homens piedosos conforme o ponto de vista da religião oficial, mas estrangeiros, mulheres e crianças que são curados e libertos de seus males. Não eram pura e simplesmente a favor de alguém, mas diametralmente oposto a essa condição, sejam a contradições da instituição religiosa, sejam as convenções culturais e estruturas de poder.
Esse movimento de libertação promovido da periferia em direção ao centro culminou com a prisão, martírio e execução de Jesus. Fatos que se deram no período do memorial da Páscoa. Antes de ser preso, Jesus teve oportunidade de se reunir com seus colaboradores para ressignificar esse memorial. É o momento no qual Jesus se revela como Deus encarnado para evidenciar que a Páscoa não se limita a ser memorial de uma libertação passada. E sim de libertação permanente promovida por aqueles e aquelas que se identificam com o Deus que ouve o clamor do oprimido e vai a ao seu encontro.
Páscoa e direitos humanos
Esse memorial é, para a Igreja, a Santa Ceia. Do memorial da Páscoa, Jesus expõe sua consciência de que o exercício de seu ministério profético o leva à morte precoce e ao mesmo tempo acalenta e não anula a esperança de que a morte não seja em vão quando causada em defesa da vida. O cálice oferecido é um desafio à continuidade da luta. A memória da encarnação, ministério, paixão, morte e ressurreição do Filho de Deus, servem de inspiração primeira para a prática de direitos humanos, pois se refere à preocupação e aproximação de Deus com a humanidade em estado mais frágil: os escravizados, os injustiçados os enjeitados e indesejáveis.
A Páscoa e o memorial da Ceia são lembretes que os filhos e filhas de Deus devem identificar as situações de violência, discriminação, injustiça social para a denúncia dos opressores e o acolhimento dos oprimidos, tal como Jesus fez. É a tarefa e a vocação que Ele deixou a todos nós.
Feliz Páscoa!
Assessoria Regional de Promoção dos Direitos Humanos da Igreja Metodista 3RE
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