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Quando a pressão é grande

Estou confuso, desnorteado, inseguro, perturbado, triste. Pensei que esta crise iria acabar logo e ela não acabou. Sinto-me preso numa cela sem janelas... Só vejo sombras. A escuridão me rodeia... Estou tendo dificuldade de ler a Bíblia. Estou tendo dificuldade de orar... A comunhão contigo, outrora fácil, está agora difícil. Aquela sensação de que Tu me abençoavas dia após dia praticamente acabou” (trecho da ‘Oração de um deprimido’ do rev. Elben Lenz César, fundador da revista Ultimato).


Mulher meditando

Surpreso ao ler essa confissão de um pastor aos 70 anos de idade? Não deveria. Todo cristão, por mais sincera e firme que seja a sua fé, está sujeito a enfrentar tempos de abatimento, sofrimento, dor, tristeza... Não devemos pressupor que, se confiarmos em Deus, nunca ficaremos esgotados, depressivos e nem emocionalmente abatidos.

A depressão é um dos mais incompreendidos transtornos que pode acometer um ser humano. Infelizmente, no meio evangélico disseminou-se a ideia de que o crente não pode ficar deprimido, pois tal coisa demonstraria sua fraqueza de fé. Será?

Se um confiante Davi nos transmitiu agradáveis palavras de segurança no Salmo 4, ao dizer que “Em paz me deito e logo pego no sono, porque, Senhor, só tu me fazes repousar seguro”, poucos observam que esse mesmo rei iria escrever no Salmo 6: “Estou cansado de tanto gemer; todas as noites faço nadar o meu leito, de minhas lágrimas o alago”.

Obviamente não foi na mesma ocasião. Mas é para nos mostrar que alguém, que tem um “coração segundo Deus”, pode experimentar tempos de angústia e profunda desesperança.

Dependendo da intensidade/duração, a esses dias sombrios dá-se o nome de depressão. Evite chamá-la de ‘doença’. É um transtorno, um sofrimento, uma experiência perturbadora, aos quais cristãos sinceros de repente se veem sem alegria, sem ânimo, sem prazer. Perderão o interesse nas coisas. Perderão o sono – ou dormirão muito – sensação de fadiga, falta de concentração, pessimismo. É como se a alma fosse invadida por uma grande treva que vem e domina tudo. É o demônio do meio-dia.

É inevitável que nesse tempo desapareça a disposição para orar, ou fazer aquela leitura rotineira da Bíblia. E também não se desejará ir à igreja ou a qualquer outro lugar. Já ouviu a frase: “Me deixa! Não quero ver ninguém?”.

Muito se tem discutido acerca das causas: pode ser uma predisposição à melancolia; disfunção hormonal; vivenciando perdas; portador de uma doença grave; esgotamento profissional; crise financeira; relacionamento familiar difícil...

É um erro relacionar depressão com “falta de fé”, ou mesmo pensar que o cristão não pode ter este transtorno ou episódios depressivos.

A primeira coisa que digo a quem pensa assim é: “Sabe de nada”. E a segunda: pesquise na Bíblia a vida de alguns personagens, e em especial leia os inúmeros Salmos de lamentação e súplica (lembre-se: Salmos não são apenas louvor, e o autor não é apenas Davi, que compôs apenas metade deles).

Mas aqui, desejo me deter um pouco sobre o profeta Elias, que depois de derrotar os profetas de Baal, estava agora desmoronando sob a pressão do seu ministério. Jezabel esposa do rei Acabe prometeu matá-lo. Ele se sente abandonado. Está com dificuldade de lidar com a situação. Resumindo: “Já deu. O meu trabalho não surtiu efeito. Fiquei sozinho. Querem me matar. E eu não estou aguentando”.

Sabe o pavio de uma vela quando está quase se apagando? Elias entregou os pontos, e até desesperou da vida: “Basta! Tira a minha vida. Eu não quero mais viver” (1 Reis 19.4).

Para sua informação, Elias não foi o único a expressar esse desejo: Também Jó (Jó 7.16); Jeremias (Jeremias 20.17); Moisés (Êxodo 32.32); Jonas (Jonas 4.3).... Charles Spurgeon, conhecido pregador inglês do século 19, afirma que “a experiência de um santo descrita nas páginas sagradas é instrutiva a outros... e mesmo os ‘santos’ podem desejar morrer” (livro “A depressão de Spurgeon”, p. 161). Todavia, há algo em comum em todos eles: embora tenham expressado esse desejo, eles se abstiveram de decidir por si mesmos e deixaram com Deus a resposta aos seus desejos. Deus haveria de decidir sobre suas vidas.

A questão é que Deus os queria vivos, e vivos eles ficaram para deixar o testemunho que temos hoje.

É como se o Senhor dissesse: “Sua história não terminou Elias. Não terminou Jó. Não terminou Moisés”. E não terminou irmão ou irmã, que me lê.

A Bíblia nunca escondeu as fraquezas e as dubiedades de seus profetas, apóstolos, discípulos. Ao contrário: ela “escancara” os seus problemas, suas doenças porque há um aprendizado para nós a partir de suas experiências.

Sabemos que Elias veio de uma jornada de trabalho muito intensa do ponto de vista físico e emocional, e ainda fez uma longa viagem a pé. Assim como ele,

às vezes carregamos “o mundo” nas costas. É muito fácil pastores e líderes sofrerem desta forma. Inúmeras mães também. E quem vive “empilhando” coisas sobre as suas costas uma hora vai “quebrar”.

Deus lhe enviou um anjo. Sabe qual é a primeira coisa que o anjo faz? Não lhe passou um ‘pito’, mas ‘toca’ em Elias, como tocamos em uma pessoa como um gesto de carinho. E lhe preparou uma refeição. O deixou dormir mais um pouco e o alimentou novamente. A maior parte do tempo foi de silêncio.

Por falar nisso, como você reage quando tem diante de si aquele que sofre? Já lhe faltaram palavras diante da dor, do luto, ou do sofrimento de alguém? Na verdade, falar nem sempre ajuda. Quando os amigos de Jó souberam que ele estava muito mal por conta das tragédias, eles “combinaram de irem juntos condoer-se dele e consolá-lo”. Bonito gesto.

Ao chegarem, sentaram-se com ele em terra, choraram com ele, e não tentaram minimizar a situação, dizendo-lhe: “Ah, isso não é nada”. Ao contrário, “pois viam que a dor era muito grande” (Jó 2.13). E não disseram palavra alguma. Não adianta tentar responder questões que nós mesmos não compreendemos. Não é nosso papel.

Diante daquela pessoa que sofre não é necessário dizer muita coisa. Basta ela saber que estamos ali.

Deus sabe que Elias está em profundo estado de esgotamento e exaustão. E que necessita de descanso, de alimento e de gentileza. Assim somos nós: Na hora certa, seremos desafiados. Mas antes, talvez precisemos de uma alimentação melhor, dormir um pouco mais, e quem sabe umas férias.

Depois de se alimentar e seguir jornada, Elias entra numa caverna. Deus lhe faz perguntas, e ele começa a falar. Mas Deus confronta Elias e a sua interpretação dos acontecimentos. Quando não estamos bem, nosso olhar fica equivocado. A gente pega os problemas, soma tudo, ‘superdimensiona’ tudo, e pioramos muito a real situação.

O cristão que experimenta dúvida ou fraqueza não é abandonado por Deus.

Ainda que Elias e nós tenhamos sentimentos que Deus não aprova, Ele não nos abandona, nem se ofende com nossas palavras. Ao contrário: Ele espera que sejamos honestos quanto ao nosso estado interior, e expressemos nossas emoções com sinceridade.

Não tenha medo! Deus entende. Jesus foi um homem de dores e que sabia o que é padecer.

Por isso Ele entende e ama as pessoas que se sentem “esmagadas” por seus sentimentos. Tempos difíceis podem revelar a graça de Deus da maneira mais profunda, que bem-estar nenhum conseguiria.

A obra de Deus não tinha terminado na vida de Elias. Deus ainda iria usá-lo. Talvez Ele esteja justamente dizendo isso a todos e todas que estão vivendo esse tempo de perplexidade:

“Habito no alto e santo lugar, mas habito também com o contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos e vivificar o coração dos contritos”

(Isaías 57.15).


Daniel Rocha

Pastor na Igreja Metodista Central em Santo André (SD ABC)

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