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John Wesley - Sermão 04 - "O CRISTIANISMO BÍBLICO"

Sermões de John Wesley


Sermão 4


O CRISTIANISMO BÍBLICO


Pregado na Capela de Santa Maria, Oxford, perante a Universidade, a 24 de agosto de 1744


“E todos ficaram cheios do Espírito Santo”.

(Atos 4.31)



1. A mesma expressão ocorre-no segundo capítulo, onde lemos: “Ao cumprir-se o dia de Pentecoste, estavam todos (os apóstolos, com as mulheres, a mãe de Jesus e seus irmãos), reunidos no mesmo lugar. E subitamente veio do céu um ruído, como de um vento impetuoso. E apareceram junto deles umas como línguas de fogo, as quais se distribuíram para repousar sobre cada um deles. E todos ficaram cheios do Espírito Santo”. O imediato efeito disto foi que “começaram a falar em outras línguas”, de modo que partos, medas, elamitas e outros estrangeiros, que “se reuniram quando se produziu o rumor, ouviram-nos contar, em suas diversas línguas, as obras maravilhosas de Deus” (At 2.1-6).


2. Neste capítulo lemos que, estando os apóstolos e irmãos orando e louvando a Deus, “tremeu o lugar em que se achavam congrega dos e todos ficaram cheios do Espírito Santo”. Não encontramos aqui nenhuma aparência visível, tal como havia acontecido na passagem anterior, nem temos informação de que os dons extraordinários do Espírito Santo tivessem sido então comunicados a todos ou a alguns dentre eles, como os dons de “curar, de operar” outros “milagres, de profecia, de discernimento” de espíritos, de falar diversas línguas e de as interpretar” (1 Co 7.9, 10).


3. Que esses dons do Espírito Santo fossem destinados a permanecer na Igreja através de todas as idades ou que eles sejam ou não restabelecidos à medida que se aproximar a “restauração de todas as coisas”, são questões que não é necessário decidir. É oportuno, entretanto, observar que, ainda na infância da Igreja, Deus repartiu esses dons da maneira mais parcimoniosa. Eram todos profetas? Eram todos operadores de milagres? Todos tinham o dom de curar? Falavam todos em línguas? De modo nenhum. Talvez nem um em mil. Provavelmente nenhum, a não ser o mentor de cada igreja e, dentre esses mestres, talvez mesmo só alguns deles (1 Co 12.28,30). Foi, portanto, para um fim mais elevado do que a simples posse desses dons, que “eles ficaram cheios do Espírito santo”.


4. A manifestação do Espírito Santo teve em mira conceder-lhes (o que ninguém pode negar seja essencial a todos os cristãos, em todos os tempos), a m.ente que havia em Cristo; os santos frutos do Espírito, os quais, não os tendo? Alguém, esse tal não lhe pertence; teve em vista enchê-los o de “caridade, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade (G1 5.22-24); dotá-los de fé (talvez esta ideia melhor se expresse pelo termo fidelidade); com humildade e temperança; habilitá-los a crucificar a carne, com suas afeições e cobiças, suas paixões e desejos; e, em conseqüência da mudança interior, assim assegurada, preencher toda justiça exterior, “andar como Cristo também andou”, na “obra da fé, na paciência da esperança, no trabalho de amor” (1 Ts 1.3).5. Sem que nos envolvamos em curiosos, desnecessários inquéritos, no tocante aos dons extraordinários do Espírito, consideremos de mais perto os frutos ordinários do mesmo Espírito, cuja florescência permanente foi garantida a todas as idades; consideremos a grande obra divina realizada entre os filhos dos homens, obra que costumamos designar por uma única palavra: Cristianismo, não no sentido de ser uma série de opiniões, um sistema de doutrinas — mas no sentido de corporalizar algo que se refere ao coração e à vida dos homens. Este Cristianismo pode ser utilmente considerado sob três aspectos diferentes:


  • I. Começando a existir nos indivíduos;

  • II. Passando de um homem para outro;

  • III. Cobrindo a terra.

Finalmente, é meu desejo concluir estas considerações com uma clara aplicação prática.


I

1. Em primeiro lugar, consideremos o Cristianismo em seu alvorecer, começando a existir nos indivíduos.

Suponha-se que um dos que ouviram o Apóstolo Pedro pregar o arrependimento e a remissão de pecados tenha sido tocado no coração, convencendo-se de pecado, arrependendo-se e crendo, afinal, em Jesus. Mediante essa fé infundida por Deus, que constitui a verdadeira substância das coisas que se esperam, ã evidência das coisas invisíveis, (Hb 11.1), na mesma hora recebe o Espírito Santo, pelo qual ele clama: “Abba, Pai!” (Rm 7.15). Pela primeira vez da a Jesus, pelo Espírito Santo, o nome de Senhor (1 Co 12.3), o próprio Espírito testificando com seu espírito ser ele filho de Deus (Rm 8.16). Agora pode o crente verdadeiramente dizer: “Não vivo eu, mas Cristo é quem vive em mim; e a vida que eu agora vivo na carne, vivo-a pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2.20).


2. Esta é, pois, a verdadeira essência de sua fé, a divina: ελεγχος (evidência ou convicção) do amor de Deus o Pai, através do Filho de seu amor, comunicada ao ímpio, agora aceito no Bem-Amado. E, “sendo justificado pela fé, tem paz com Deus” (Rm 5.1); sim, tem “a paz de Deus reinando em seu coração”; tem uma paz que, excedendo a toda compreensão, (πάντα νουν — toda concepção meramente racional), guarda seu coração e mente de toda dúvida e de todo medo, graças ao conhecimento daquele em que confiou. Não pode ele temer, portanto, “ser afligido por qualquer notícia má”, porque “seu coração permanece firme. Crendo no Senhor”. Não teme o que lhe possa fazer o homem, sabendo que mesmo seus próprios cabelos estão todos contados. Não teme os poderes das trevas, que o Senhor está cada dia mais decisivamente esmagando sob os pés. Muito menos teme a morte; antes, deseja “partir e estar com Cristo” (Fl 1.23), o qual, “através da morte, destruiu o que possuía o poder da morte, isto é, o diabo; e libertou os que, pelo temor da morte, estavam até então, e por toda a vida, sujeitos à escravidão” (Hb 2.15).


3. Deste modo, sua “alma engrandece ao Senhor e seu espírito se alegra em Deus, seu Salvador”. Regozija-se com “alegria indizível” naquele que o reconciliou com Deus, o Pai, “em quem ele tem a redenção por seu sangue e o perdão dos pecados”. Regozija-se no testemunho do Espírito de Deus com seu próprio espírito, de que é filho de Deus; e mais abundantemente se alegra “na esperança da glória de Deus”; na esperança da gloriosa imagem de Deus e na renovação plena de sua alma em justiça e verdadeira santidade; na esperança daquela coroa de glória, daquela “herança Incorruptível, sem mancha, imarcescível”.


4. “O amor de Deus foi também derramado em seu coração pelo Espírito Santo que lhe foi dado” (Rm 5.5). “Porque era filho, Deus derramou em seu coração o Espírito de seu Filho, que clama: Abba, Pai!” (Gl 4.6). E o amor filial de” Deus foi-se aumentando continuamente, pelo testemunho que ele possuía em si mesmo, (1 Jo 5.10), do amor de Deus que lhe perdoa; pela “consideração da maneira pela qual o amor de Deus lhe havia sido demonstrado, de modo que pudesse ser chamado filho de Deus” (1 Jo 3.1). Deus era, pois, o desejo de seus olhos e a alegria de seu coração, sua porção mais preciosa no tempo e na eternidade.


5. Os que assim arriam a Deus, não podem deixar de também amar a seus irmãos, “não em palavras somente, mas em obras e em verdade”. “Se Deus, diz ele, assim nos amou, devemos também amar-nos uns aos outros” (1 Jo 4.11); sim, devemos amar indistintamente a toda alma humana, assim como também “a misericórdia de Deus está sobre” todas as suas obras” (Sl 145.9). De acordo com este princípio, a afeição desse amigo de Deus abraça com todo seu amor a toda a humanidade, nenhuma exceção abrindo para os que jamais tenha visto em carne, ou para os de quem nada sabe, a não ser que são “criaturas de Deus”, pelas quais seu Filhos morreu; não excetuando o “mau” e o “ingrato”, os maiores inimigos, os que o odeiam, ou perseguem, ou procedem maliciosamente para com ele, por causa de seu Mestre: estes tem um lugar destacado em seu coração e em suas orações. Ama-os “como Cristo nos amou”.


6. “O amor não se jacta” (1 Co 13.4) rebaixa até o pó toda alma em que domina, tornando o homem humilde de coração, apagado, simples é vil a seus próprios olhos. Não deseja nem recebe a louvor dos homens, mas apenas o que vem de Deus. É manso e longânimo, delicado para com todos, de trato ameno. A fidelidade e a verdade jamais o abandonam: “servem­-lhe de colar e estão escritas na tábua de seu coração”. Pelo mesmo Espírito se tornou apto a ser temperante em todas as coisas, refreando sua alma como criança desleitada. Foi “crucificado para o mundo e o mundo crucificado para ele”; está acima da “cobiça da carne, da cobiça dos olhos e da vaidade da vida”. Pelo mesmo poder do amor foi salvo da paixão e do orgulho, da concupiscência e da vaidade, da ambição, da inveja e de toda tendência que se não encontre em Cristo.


7. Pode-se facilmente crer que tal homem, tendo esse amor no coração, não pratica nenhum mal contra o próximo. É-lhe impossível causar dano consciente e deliberadamente a quem quer que seja. Está muito longe da crueldade e do crime, da ação injusta e desumana. Com igual cuidado “põe guarda diante de sua boca e à porta de seus lábios”, para que pela língua não peque contra a justiça, contra a misericórdia e contra a verdade. Repele toda mentira, falsidade e fraude; em sua boca não há dolo. Não diz mal de ninguém, nem de seus lábios sai qualquer palavra injusta.


8. Profundamente sensível à verdade desta palavra: “Sem mim nada podeis fazer”, e, conseqüentemente, sensível à necessidade de ser, socorrido por Deus a cada momento, persevera diariamente em todas as ordenanças do Senhor, que são os canais de sua graça revelados ao homem: persevera na “doutrina dos apóstolos”, ou seja, no ensino inspirado, recebendo o alimento da alma com toda avidez de coração; persevera no “partir do pão”, que ele considera ser a comunhão do corpo de Cristo; e atende às “orações” e súplicas feitas pela igreja. Deste modo “cresce diariamente em graça”, fortalecendo-se em poder, conhecimento e amor de Deus.


9. Não lhe satisfaz o abster-se meramente da prática do mal. Sua alma tem sede de fazer o bem. A linguagem de seu coração constantemente repete: “Meu Pai não cessa de agir até agora, e eu do mesmo modo”; “meu Senhor passou por toda parte fazendo o bem; e não andarei nas suas pegadas?” Tendo, pois, oportunidade, se não pode fazer obras de mais alta valia, ao menos alimenta os famintos, veste os nus, auxilia os órfãos e os peregrinos, visita e ajuda os que estão enfermos ou presos. Dá todos os seus bens para sustento dos pobres. Regozija-se em trabalhar ou em sofrer por eles; e, sendo de proveito para quem quer que seja, “nega-se a si mesmo”. Nada reputa demasiadamente valioso para repartir com os necessitados, tendo presentes às palavras de seu Senhor: “O que houveres feito a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizeste” (Mt 25.40).


10. Assim era o Cristianismo em seu alvorecer. Assim era o cristão dos dias antigos. Assim era cada um daqueles que, ouvindo as ameaças dos principais sacerdotes e anciãos, “a uma voz clamaram a Deus e ficaram cheios do Espírito Santo”. A multidão dos que creram possuía um só coração e uma só alma”, tanto o amor daquele em quem tinham crido os constrangia ao amor recíproco! “Nem dizia algum deles que as coisas que possuía fossem suas, mas tinham tudo em comum”, tão perfeitamente estavam crucificados para o mundo e estava o mundo crucificado para eles. “E perseveravam na doutrina dos apóstolos, no partir do pão e nas orações” (At 2.42). “E abundante graça havia em todos eles; nenhum necessitado se encontrava entre os irmãos, porque, havendo muitos que eram proprietários de casas e de terras, vendiam-nas e, trazendo o produtos da venda, depositavam-no aos pés dos apóstolos, fazendo-se a distribuição por todos, segundo a necessidade de cada um” (At 4.31-35).


II

1. Em segundo lugar, lancemos a vista sobre esse Cristianismo, passando-se de uma para outra alma e gradualmente avançando rumo à conquista do mundo: porque essa era à vontade de Deus no tocante à nova crença, pois que “ninguém acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas, para que ilumine a todos que estão na casa”. Nosso Senhor dissera a seus primeiros discípulos: “Vós sois o sal da terra”, a “luz do mundo”, e isto justamente na ocasião em que formulava este mandamento de ordem geral: “Luza vossa luz diante dos homens, para que eles vejam vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus” (Mt 5.13-16).


2. E, na verdade, supondo que uns poucos dentre esses amigos de Deus e da humanidade vissem “todo o mundo posto na injustiça”, podemos crer que ficassem indiferentes a essa contemplação, indiferentes à miséria daqueles por quem seu Senhor também morrera? Não se lhes moveriam as entranhas e não lhes bateria o coração com maior estremecimento? Poderiam estar ociosos durante todo o dia, mesmo quando não tivessem sido diretamente chamados por aquele a quem amavam? Não fariam, ao revés, todo esforço, usando de todos os meios possíveis, para subtrair alguns daqueles tições fumegantes à fornalha ardente? Sim, indubitavelmente não poupariam energias para reconduzir as pobres “ovelhas desgarradas ao grande Pastor e Bispo de suas almas” (1 Pd 11.25).


3. Assim o faziam os cristãos dos velhos tempos. Trabalhavam, segundo as oportunidades a seu alcance, por “fazer o bem a todos os homens” (Gl 6.10), instando para que fugissem da ira vindoura, destarte escapando à condenação do inferno. Declaravam que, “dissimulando os tempos da ignorância, Deus manda agora que todos os homens, em toda parte, se arrependam” (At 17.30). Clamavam: Voltai-vos, voltai-vos de vossos caminhos, “para que a iniquidade não seja vossa ruína” (Ez 18.30). “Arrazoavam” com os pecadores acerca de “temperança e retidão”, ou justiça — virtudes opostas aos pecados dominantes, e “do juízo por vir”, da ira de Deus, que certamente se executará contra os que praticam o mal, no dia em que Deus julgar o mundo (At 24.25).


4. Procuravam falar a todo homem individualmente, no tocante às necessidades de cada um. Aos displicentes, aos que se deixavam estar inconscientemente imersos nas trevas e sombra da morte, eles trovejavam: “Desperta, tu que dormes; levanta-te dentre os mortos, e Cristo te alumiará”. Mas, aos que já tinham sido despertados do sono e tinham já chorado à pressão do sentimento da ira de Deus, sua linguagem era: “Temos um Advogado para com o Pai; ele é a propiciação pelos nossos pecados”. Sem perda de tempo incitavam os que tinham crido ao amor e as boas obras; à perseverança paciente na prática do bem; ao mais vigoroso crescimento na santidade, sem a qual ninguém verá a Deus” (Hb 12.4).


5. E não era em vão seu trabalho no Senhor. Sua palavra circulava entre os homens e era glorificada. Crescia poderosamente e prevalecia. Ainda mais numerosas eram, porém, as queixas que se levantavam: O mundo em geral sentia-se oferecendo, “porque eles testificavam que suas obras eram más” (Jo 7.7). Os pecadores dados ao prazer ofendiam-se, não somente porque aqueles homens pareciam criados, por assim dizer, para reprovar seus pensamentos “Ele professa, diziam, conhecer a Deus, ele chama-se a si próprio filho de Deus; sua vida não é semelhante à de outros homens; seus caminhos são de outra natureza; ele se abstém de nossos caminhos como de coisa impura; gloria-se de que Deus seja seu Pai” (Sb 2.13-16), mas, principalmente, porque muitos de seus companheiros tinham se afastado e não mais queriam “correr com eles rumo ao mesmo excesso de orgia” (1 Pd 4.4). Os homens de boa reputação ressentiam-se, porque, espalhando-se o Evangelho, eles decresciam na estima pública, já que muitos não mais cogitavam de lhes dar títulos lisonjeiros e de render à criatura as homenagens devidas tão somente a Deus. Os homens de negócios se congregavam e diziam:  “Senhores, sabeis que deste ofício vem a nossa riqueza; mas vemos e ouvimos que esses homens persuadem e desviam a muita gente, com o que nosso negócio corre perigo de se reduzir a nada” (At 19.25ss). Acima de tudo, os homens de religião, assim chamados, os homens de religião exterior, “os santos do mundo”, sentindo-se prejudicados, serviam-se de todas as oportunidades para gritar: “Homens de Israel, atenção! Achamos serem estes indivíduos sectários pestilentos e promotores de sedição por todo o mundo” (At 24.5). “Estes são os homens que pregam a toda criatura, por toda parte, contra o povo e contra este lugar” (At 21.28).


6. Foi assim que os céus se tornaram negros e carregados, e a tempestade enfim tombou com fúria. Quanto mais se espalhava o Cristianismo, maior prejuízo causava, na opinião dos que o não receberam; e aumentava-se cada vez mais o número dos que se iravam contra os homens que assim “transtornaram o mundo” (At 17.6), de modo que clamavam com crescente rancor: “Tirai da terra estes homens; não convém que eles vivam!” Além disso, criam sinceramente que prestaria serviço a Deus quem quer que os matasse.


7. Entretanto os inimigos não cessavam de apresentar o nome dos cristãos como abominável (Lc 6.22), sendo que por toda parte se falava mal dessa seita (At 28. 22). Os homens diziam toda sorte de mal contra os cristãos, o que, aliás, tinham feito em relação aos profetas que foram antes deles (Mt 5.12). Onde se achava um que afirmasse a falsidade, ai apareciam muitos para crer; e as injúrias se multiplicavam como as estrelas do céu. Levantaram-se, pois, no tempo preestabelecido pelo Pai, perseguições de todo gênero. Alguns, por esse tempo somente sofreram humilhação e injúrias; outros sofreram a “expropriação de seus bens”; outros ainda “experimentaram escárnios e açoites; e até cadeias e prisões”, e outros “resistiram até o sangue” (Hb 10.34; 11.36ss).­


8. Foi então que os fundamentos do inferno se abalaram e o Reino de Deus foi-se alargando progressivamente. Por toda parte havia pecadores “voltando-se das trevas para a luz e do poder de Satanás para Deus”. O Senhor deu a seus filhos “uma tal eloquência e sabedoria, que os adversários não podiam resistir-lhes, correspondendo também o testemunho de sua vida à profissão de seu verbo. Mas, acima de tudo, seus sofrimentos possuíam eloquência de alcance universal. Provavam ser servos de Deus em aflições, em necessidades, nas angústias, nos açoites, nas prisões, nos tumultos nos trabalhos; em perigos no mar, em perigos no deserto, em fadigas e penas, em fome e sede, em frio e nudez (2 Co 6.4ss.). E quando, tendo combatido o bom combate, eram levados como ovelhas ao matadouro e oferecidos como sacrifício em serviço de sua fé, — o sangue de cada um recuperava então a voz, e, para testemunho aos pagãos, “estando mortos, eles ainda falavam”.


9. Assim se espalhou o Cristianismo sobre a face da terra. Cedo, porém, o joio apareceu em meio do trigo e o mistério da iniquidade operou, assim como o mistério da piedade! Logo Satanás achou uma cátedra, mesmo no templo de Deus, “fugindo a mulher para o deserto” e sendo “os fiéis outra vez apartados dentre os filhos dos homens”. A partir desse ponto, marchamos a passos largos: a corrupção crescente das gerações que se sucedem foram largamente descritas, de tempos em tempos, pelas testemunhas que Deus suscitou, para mostrar que Ele havia “edificado sua igreja sobre a rocha e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”; (Mt 14.18).


III

1.Veremos, porventura, maiores coisas do que estas? Sim, maiores do que as tem havido desde o começo do mundo. Pode Satanás fazer naufragar a verdade de Deus ou invalidar suas promessas? Se não, tempo virá em que o Cristianismo prevalecerá sobre todas as coisas e cobrirá a terra. Detenhamo-nos por um pouco e evoquemos (esta é a terceira investigação que temos em vista fazer), a visão estranha: o mundo cristianizado. Isto os profetas da antiguidade inquiriram e pesquisaram diligentemente (1 Pd 1.10,11ss), assim testificando o Espírito que estava neles: “E acontecerá nos últimos dias que o monte da casa do Senhor será estabelecido no topo das montanhas, e será exaltado acima de todos os montes; e todas as nações concorrerão a ele. E converterão suas espadas em arados e suas lanças em foices: nenhuma nação tomará da espada contra outra nação, nem se adestrarão jamais para a guerra” (Is 2.2 e 4). “Naquele dia haverá uma raiz de Jessé, que será como insígnia ao povo: a ela buscarão os gentios e seu descanso será glorioso. Acontecerá naquele dia que o Senhor tornará a estender sua mão para recobrar o resto de seu povo; e será posto como um Sinal para as nações, e ajustará os desterrados de Israel e dos quatro cantos da terra ajuntará os dispersos de Judá” (Is 11.10-12). “O lobo habitará com o cordeiro e o leopardo fará morada com o cabrito e o novilho, o leão e a ovelha pastarão juntos, e uma criança os guiará. Não ha verá dano nem destruição, diz o Senhor, em todo o meu -santo monte: porque a terra será cheia do conhecimento do Senhor como as águas cobrem o mar” (Is 11.6-9).


2. No mesmo sentido são as palavras do grande apóstolo palavras que evidentemente nunca foram cumpridas: “Porventura rejeitou Deus ao seu povo? De modo nenhum. Mas pela transgressão deles veio a salvação aos Gentios. E se a transgressão deles é a riqueza do mundo e o seu abatimento a riqueza dos Gentios, quanto mais a sua plenitude? Porque não quero, irmãos, que ignoreis este mistério, que o endurecimento veio em parte a Israel, até que haja entrado a plenitude dos Gentios, e assim todo o Israel será salvo” (Rm 11.1, 11, 12, 25, 26).


3. Suponhamos seja chegada à plenitude do tempo e sejam ­cumpridas as profecias. Que perspectiva, essa! Tudo é paz, “quietude e segurança para sempre”. Não há rumor de armas nem “estrondo confuso”, nem “vestes encharcadas de sangue”. “A destruição terá tido seu fim perpétuo”: sobre a face do planeta cessaram-se as guerras. Não haverá nem mesmo restos de comoções intestinas, nenhum irmão levantando-se contra seu irmão, nenhum país ou povoado dividido contra si mesmo e despedaçamento as próprias entranhas. A discórdia civil se acabará para sempre, e nada ficará para servir de fomento de destruição ou de ofensa ao próximo. Não haverá nenhuma opressão “que transforme o sábio em louco”; nenhuma extorsão capaz de “encovar a face do pobre”; nenhum furto ou dano; nenhuma injustiça ou rapina: todos estarão “contentes com as coisas que possuam”. Assim, “a Justiça e a Paz se beijaram”. (Sl 85.10): elas “enraizaram-se e encheram a terra”; “a justiça floresceu sobre a terra” e a “paz deitou seus olhos desde os céus”.


4. Coma justiça também se acha a misericórdia. A terra não mais se cobre de habitações cruéis. O Senhor destruiu o sedento de sangue e o malicioso, o invejoso e o vingativo. Onde haja ainda uma provocação, aí faltará quem acredite na eficácia da retribuição do mal pelo mal: na verdade não haverá, todavia, quem pratique o mal, nem um sequer; porque todos serão inocentes como pombas. Cheios de paz e de alegria na crença e unidos em um só corpo pelo Espírito, eles se amam como irmãos e têm um só coração e uma alma única. “Nem algum diz que possui como coisa sua os bens que lhe pertencem”. Em seu meio nenhum há que padeça falta, porque cada um ama a seu próximo como a si mesmo. E todos andam segundo a regra evangélica: “Aquilo que quiserdes que os homens vos façam, fazei-o semelhantemente a eles”.


5. Segue-se que nenhuma palavra má se há de ouvir entre eles, nenhuma contenda de língua, nenhuma controvérsia de qualquer, espécie, nenhuma exprobação ou maledicência, mas cada um “abrirá sua boca com sabedoria e em sua língua existirá a lei da ternura”. São igualmente incapazes de fraude e engano: seu amor é sem dissimulação: suas palavras são sempre a justa expressão do pensamento. Têm, por assim dizer, uma janela aberta em seu próprio peito, para que vejam o seu coração os que o quiserem — e verifiquem que somente o amor de Deus ali impera.


6. Sendo assim, onde o Senhor Onipotente exerce seu poder admirável e reina, “subjugando todas as coisas a si mesmo”, todo coração transborda de amor e toda boca se enche de ações de graças. “Feliz o povo que se encontra em tal situação; sim, bem aventurado o povo que tem ao Senhor como seu Deus!”(Sl 144.15). “Levanta-te, brilha”, diz o Senhor, “porque tua luz veio e a glória do Senhor se levantou sobre ti. Conheceste” que eu, o Senhor, sou teu Salvador e teu Remidor, o poderoso Deus de Jacó. Fiz de teus oficiais paz e de teus exatores justiça. Jamais se ouvirá de violência em tua terra, de ruína ou devastação em teus limites; mas chamarás a teus muros Salvação e a tuas portas Louvor. Todo o teu povo será uma nação de justos: estes mais será tua luz durante o dia, nem para alumiar a lua te dará seu brilho; mas o Senhor será para ti uma luz eterna e teu Deus será tua glória” (Is 60.1, 16-19,21).


IV

Tendo, pois, considerado, ainda que brevemente, o Cristianismo em seu começo, em seu crescimento e cobrindo, afinal, a terra, — resta somente que eu conclua com uma aplicação clara e prática.


1. Em primeiro lugar, desejo inquirir: Onde existe agora esse Cristianismo? Onde, pergunto, vivem os cristãos? Qual é o país cujos habitantes estão cheios do Espírito Santo, possuindo todos um só coração e uma só alma; que não toleram que ninguém sofra privações, mas continuamente dão a cada um segundo suas necessidades; tendo cada um e todos o amor de Deus a lhes encher o coração, constrangendo-os a amar a seu próximo como a si mesmos; todos possuindo “corações compassivos, humildade de espírito, paciência e longanimidade”; não ofendendo de modo algum, nem por palavras, nem por atos, a justiça, a misericórdia e a verdade, mas fazendo, em todos os sentidos, e a todos os homens, o que queriam que eles lhes fizessem? Podemos, com propriedade, chamar cristão a um país que não corresponda à descrição ora feita? Confessemos, neste caso, que jamais vimos sobre a terra um país cristão!


2. Eu suplico-vos, irmãos, pela misericórdia de Deus, que, ainda que me considereis como louco ou insensato, todavia me suporteis como a um louco. É de urgente necessidade que alguém use para convosco de grande clareza de linguagem. Isto se torna mais especialmente necessário nesta oportunidade, porque, — quem sabe se não será esta a derradeira? Quem sabe se o justo Juiz não dirá em breve: “Não mais intercederei por este povo?” “Se Noé, Daniel e Jó estivessem nesta terra, não fariam outra coisa senão salvar a própria alma”. E quem usaria desta fraqueza, senão eu? Por isso ainda falarei. E vos conjuro, pelo Deus vivo, que não endureçais os vossos corações, predispondo-os contra a recepção de uma bênção trazida pelas minhas mãos. Não digais em vossos corações: “Non persuadebis, etiami per­suaseris”, ou, em outras palavras: “Senhor, não envies o que queres enviar; prefiro perecer em meu próprio sangue a ser salvo por este homem!”


3. Irmãos, “estou persuadido de coisas melhores acerca de vós, embora eu assim fale”. Permiti, pois, que vos pergunte, em terno amor e no espírito de humildade: Esta cidade é cristã? Encontrá-se aqui o Cristianismo, — o Cristianismo bíblico? Estamos nós, considerados na coletividade que formamos, tão “cheios do Espírito Santo” que sintamos o coração transbordante, forçando-nos a mostrar em nossas vidas os frutos genuínos desse mesmo Espírito? Todos os magistrados, chefes e diretores de colégios e internatos, e suas respectivas sociedades (para não falar dos habitantes dá cidade), têm “um só coração e uma só alma?” “O amor de Deus tem sido derramado em nossos corações?” Nosso caráter é o mesmo que Jesus possuía? Nossa vida está de acordo com esse caráter? Somos “santos como aquele que nos chamou”, em toda maneira de conversação?


4. Peço-vos observeis que não se encontram em debate noções especialíssimas: o ponto em discussão não se refere à opinião duvidosas de uma ou de outra espécie, mas, ao contrário, o que está em jogo interessa aos ramos principais, indubitáveis, (se tais existem), de nosso comum Cristianismo. Apelo para vossa consciência, guiada pela Palavra de Deus, no sentido de que essa questão se decida. Que vá em paz o que não for condenado pelo próprio coração!


5. No temor e na presença do grande Deus, perante o qual vós e eu devemos em breve comparecer, rogo-vos, pois, a vós que tendes autoridade sobre nós, e a quem eu reverencio em atenção ao ofício que exerceis, que considereis, (não à maneira dos que iludem a Deus), se estais cheios do Espírito Santo. Estais vividamente retratando Aquele que fostes chamados a representar entre os homens? “Eu disse: vós sois deuses”; vós, magistrados e governadores, estais, pelo ofício, ligados estreitamente ao Deus dos céus! Em vossos vários postos e encargos, deveis mostrar-nos “o Senhor, nosso Governador”. Todos os pensamentos de vosso coração, todas as vossas inclinações e vossos desejos, coincidem com a santidade de vossa alta vocação? Todas as vossas palavras se assemelham às que saem da boca de Deus? Há dignidade e amor em todas as vossas ações e uma grandeza que as palavras não podem expressar, e que somente pode defluir de um coração cheio de Deus, e, todavia, em tudo consistente com o caráter do “homem que é verme, e do filho do homem, que é verme?”.


6. Veneráveis senhores, que fostes mais especialmente chamados para formar a mente tenra da juventude, para delas espancar as sombras da ignorância e do erro e erguer os moços a condição de sábios para a salvação, estais “cheios do Espírito Santo”, produzindo todos “os frutos do Espírito”, que vosso importante ofício tão indispensavelmente requer? Todo vosso coração está em Deus, cheio de amor e zelo suficientes à edificação, na terra, de seu Reino? Constantemente lembrais aos que estão sob vosso cuidado, que o único fim racional de todos os nossos estudos é conhecer, amar e servir “ao único verdadeiro Deus, e a Jesus Cristo, a quem ele enviou?” Inculcais neles, dia a dia, aquele amor que nunca se acaba, (quer haja línguas, elas cessarão; conhecimentos filosóficos, eles se esvairão); inculcais a convicção de que, sem amor, toda erudição não passa de ignorância esplêndida, pomposa loucura, vexação do espírito? Todos os vossos ensinamentos tendem para o amor de Deus e, conseqüentemente, conduzem ao amor de toda a humanidade? Tendes os olhos fixos nesse objetivo, qualquer que seja a espécie, a forma e a medida dos estudos que façam os moços, desejando que, qualquer que seja a tarefa que toque a esses jovens soldados de Cristo, (sejam eles outras tantas luzes acesas e brilhantes) adornando o Evangelho de Cristo em todas — as coisas? Trabalhais neste sentido? Permiti-me perguntar: aplicais toda vossa energia na vasta obra que empreendestes? Trabalhais nela com toda a vossa força, exercitando todas as faculdades de vossa alma, usando de todos os talentos que, Deus vos emprestou, e isto até o limite máximo de vossa capacidade?


7. Não se diga que falo aqui como se todos os que se acham debaixo de vosso cuidado fossem clérigos. Não: falo como se todos fossem cristãos. Mas que exemplo lhes damos, nós que desfrutamos dos benefícios de nossos antepassados? Que exemplo é dado pelos colegas, estudantes, letrados, e mais especialmente por aqueles que são da mesma condição e dignidade? Produzis em abundância, irmãos, os frutos do Espírito, em humildade de mente, em abnegação e mortificação, em seriedade e compostura de espírito, em paciência, brandura, sobriedade, temperança, e em infatigável, incansável empenho de fazer toda sorte de bem a todos os homens, mitigando suas necessidades temporais e levando suas almas ao verdadeiro conhecimento e amor de Deus? Este é o caráter geral das lentes? Temo que não seja. Antes, o orgulho e a altivez de espírito impaciência e rabugice, preguiça e indolência, glutoneria e sensualidade, e ainda uma inutilidade proverbial, essas qualidades que têm sido denunciadas em nós, e nem sempre, talvez, pelos inimigos, — não serão firmadas em alguma coisa de sólido? Oh! Que Deus retire essa acusação de sobre nós, de modo que até sua lembrança pereça para sempre!


8. Muitos de nós somos mais imediatamente consagrados a Deus, chamados que fomos a ministrar nas coisas santas. Somos nós modelos no resto — “na palavra, na conversação, na caridade, no espírito, na fé, na pureza?” (1 Tm 4.12). Está escrito em nossa fronte e em nosso coração: “Santidade ao Senhor?” Que motivos nos levaram a abraçar este ofício? Foi esta missão empreendida com olhos simples, “para servir a Deus, crendo que fomos intimamente movidos pelo Espírito Santo ao tornarmos o encargo deste ministério, para a promoção de sua glória e a edificação de seu povo”? E estamos nós “evidentemente resolvidos, pela graça de Deus, a devotar-nos totalmente a este oficio”? Esquecemos e pomos de parte, tanto quanto de nós dependa, todos os cuidados e estudos seculares? Aplicamo-nos inteiramente a essa tarefa única, e conduzimos todos os nossos cuidados e estudos de acordo com tal desígnio? Somos aptos para ensinar? Somos ensinados por Deus, de modo a podermos também ensinar aos outros? Conhecemos a Deus? Conhecemos a Jesus Cristo? “Deus, revelou seu Filho em nós”? Fez-nos Ele “ministros capazes do novo pacto”? Onde estão, logo, os “selos de nosso apostolado”? Quem, estando morto em delitos e pecados, foi vivificado mediante nossa pregação? Temos um zelo devorador por salvar ás almas da morte, de modo que por amor delas com freqüência nos esquecemos até de comer nosso pão? Falamos claro, “pela manifestação da verdade, recomendando-nos a nós mesmos, na presença de Deus, à consciência de todo homem?” (2 Co 4.2). Estamos mortos para o mundo e para as coisas do mundo, “ajuntando nos céus todo o nosso tesouro”? Exercemos domínio sobre a herança de Deus ou somos os derradeiros, os servos de todos? Quando recebemos o opróbrio de Cristo, sentimos-lhe o peso, ou nele nos regozijamos? Quando somos feridos em uma das faces, iramo-nos? Impacientamo-nos com as afrontas, ou voltamos também a outra face, não resistindo ao mal, mas vencendo o mal com o bem? Temos um zelo amargo a incitar-nos ao combate acerbo e apaixonado àqueles que estão fora do caminho da fé, ou nosso zelo é a chama do amor, dirigindo todas as nossas palavras no sentido da doçura, da humildade, da brandura e da sabedoria?


9. Ainda mais: que diremos acerca da juventude deste lugar? Tens a forma ou o poder da santidade cristã? És humilde, dócil, prudente, ou obstinado, voluntarioso, impulsivo e presumido? És obediente aos superiores como aos pais, ou desprezas aqueles a quem deves a mais sincera reverência? És diligente no desempenho de teus deveres, realizando teus estudos com todas às tuas energias? Redimes o tempo, cumprindo cada dia a soma de trabalho que ele comporta, ou, ao contrário, não tens consciência para contigo mesmo, consumindo dia após dia, seja lendo o que não se relaciona com o Cristianismo, seja jogando ou em não sabes quê? És melhor administrador de teus bens do que de teu tempo? Tens cuidado de nada dever, por princípio, a pessoa alguma? Lembras-te do “dia do Senhor para o santificar” empregando-o no mais intimo culto a Deus? Quando estás em sua casa, consideras que Deus ali está presente? Portas­ te como quem “vê o invisível?” Sabes “guardar teu corpo em santificação e honra?” A bebedice e a impureza não se acham entre vós? Entre vós não há quem se “glorie em sua própria ignomínia?” Não tomais, muitos dentre vós, “o nome de Deus em vão”, talvez habitualmente, sem remorso, nem temor? Sim, não há dentre vós um grupo numeroso de perjuros? Temo seja crescente essa multidão. Não vos surpreendais irmãos. Diante de Deus e desta congregação, confesso ter sido do número daqueles que, tendo solenemente jurado observar todas as boas regras aí enumeradas, nada sabia então a respeito delas, o mesmo acontecendo com os estatutos, que eu quando muito li por alto, nesse tempo ou alguns anos depois. Se isto não é perjúrio, então o que será? Se o é, oh! Que volume de pecado, sim, de pecado de negrume invulgar, pesa sobre nós! E o Altíssimo não olha para semelhante transgressão?


10. A conseqüência disto pode, porventura, deixar de ser o que se vê, isto é, que muitos dentre vós constituís uma geração leviana, — brincando com Deus, brincando um jovem com outro jovem, brincando todos com a própria alma? Porque, quão poucos são os que, entre vós, gastais, de uma semana a outra, uma hora sequer em oração privada! Quão poucos são os que revelam qualquer cogitação de Deus no teor geral de sua conversação! Qual de vós está familiarizado, de algum modo, com a obra de seu Espírito, com sua operação sobrenatural na alma do homem podeis ouvir, a não ser agora ou na igreja, uma conversa acerca do Espírito Santo? Podeis garantir que, ouvindo alguém manter tal conversação, não a torneis como hipocrisia ou fanatismo? Em nome do Senhor Deus Todo-poderoso, pergunto: que religião professais? Não podeis, não quereis suportar mesmo uma palestra acerca do Cristianismo! Oh! Meus irmãos! Que cidade cristã, esta! “É tempo, Senhor, de impores tua mão!”.


11. Porque, na verdade, que probabilidade, ou, melhor, que possibilidade, (falando à moda dos homens), há de que o Cristianismo, o Cristianismo bíblico, volte a ser a religião deste lugar; que todas as classes de homens entre nós falem e vivam como pessoas “cheias do Espírito Santo?” Por quem poderia ser restaurado esse Cristianismo? Por aqueles dentre vós que estais revestidos de autoridade? Estais, pois, convencidos de que este Cristianismo não seja bíblico? Desejais que ele seja restaurado? E estais dispostos a não poupar vossa fortuna, liberdade, vida a vossos próprios olhos preciosa, desde que possais ser instrumentos dessa restauração? Suposto haja tal desejo, quem terá o poder proporcional ao efeito necessário? Talvez alguns de vós tenham feito um pouco de esforço débil, mas com que sucesso escasso! Será então o Cristianismo restaurado por homens jovens, desconhecimento e obscuros? Não sei como poderíeis isto, sem que alguém saltasse a gritar: “Jovem, queres censurar-nos, procedendo assim?” Não há, entretanto, nenhum perigo de serdes postos à prova, tanto a iniquidade nos submergiu como num dilúvio! A quem, pois, enviará Deus? A fome, a peste, (últimos mensageiros de Deus, mandados a uma terra culpada), ou a espada (os exércitos dos romanistas estrangeiros), para reconduzir-nos a nosso primeiro amor? “Antes caiamos em tuas mãos, ó Senhor, do que sermos abandona dos à mão dos homens!”.


Senhor, salva-nos — ou pereceremos! Tira-nos do lodo, para que não afundemos! Ajuda-nos contra esses inimigos! Porque vão é o socorro do homem, mas a ti todas as coisas são possíveis. Segundo a grandeza de teu poder, preserva os que estão destinados à morte — e preserva-nos pela forma que te pareça bem. Não seja como queremos, mas como tu queres!


John Wesley

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